segunda-feira, 3 de abril de 2017

A espuma dos dias

Entre os dias que mediaram o jogo da nossa selecção contra a Hungria até ao jogo do clássico, assisti impávido e sereno a um desfile de "anormalidades" que pensei já não voltar a ver tão cedo. 
Muita coisa se passou nesses dias. Um clube decidiu boicotar um jogo da selecção. Esse mesmo clube, que é conivente com claques ilegais no seu estádio, criticou a FPF pela forma como esta apoia uma claque também ela ilegal. Pelo caminho ficaram ameaças a órgãos federativos, agressões a dirigentes desportivos que se deslocaram civilizadamente ao estádio a convite da federação. No dia do clássico a cereja no topo do bolo: esperas à claque adversária com o lançamento de bolas de golfe contra a mesma. O comportamento da claque "suportada" pela FPF também ela foi alvo de críticas, pois terá entoado cânticos contra o clube que cedeu o estádio à federação.
Pelo meio, o clube que boicota os jogos da selecção e cujos "grupos de adeptos" tentam agredir dirigentes de outros clubes, publicitou um filme da sua fundação, onde supostamente procura promover o fair-play.
No dia seguinte ao clássico, um clube de futebol que tem semeado o medo e o pânico na divisão de elite da AF do Porto, sobe à ribalta e abre os noticiários dos principais canais, graças à agressão gratuita do seu ponta-de-lança ao árbitro, depois de ter feito o mesmo a um jogador adversário.
Este relato do que aconteceu na última semana parece saído de muitos outros relatos que ouvimos nos últimos 20, 25 anos. Agressões, impunidade, branqueamento. Guerra norte/sul, andrades contra lampiões, sistema versus estado lampiânico. Apenas um ponto que destoa neste quadro negro, que tem sido a caricatura do nosso futebol contemporâneo. E que ponto é esse?
Na semana passada, enquanto o país futebolístico ardia com a guerra entre andrades e lampiões, ficou-se a saber que Bruno de Carvalho foi suspenso por 113 dias, devido a palavras injuriosas (!!!) contra Vítor Pereira. BdC reagiu criticando o teor da decisão do conselho de disciplina da FPF, o que lhe valeu a instauração de novo procedimento disciplinar...
A Espuma dos Dias é um conhecido livro de Boris Vian, que vos aconselho a ler. A "espuma" que está referido do título não é mais do que a reflexão sobre a fragilidade da existência humana, num mundo onde toda a felicidade é apenas aparente. 
No futebol português, aceitou-se a aparência de que tudo o que aqui corre mal é culpa do Bruno. O Bruno insulta, maltrata e ultraja. O nosso futebol é um grupo de cavalheiros mais o Bruno. O Bruno está a mais, estragou o futebol português, merece ser corrido. Coitada daquela lagartagem, uma autentica carneirada, que se deixa iludir pela banha da cobra que o Bruno vende. Esta é a aparência que nos vendem, onde só há felicidade sem o Bruno. Onde só é bom o que o Bruno critica. E justas são as penas que condenam o Bruno, por mais estupidamente desproporcionadas que sejam. 
A realidade é no entanto outra: agressões, violência e ameaças, sem que - oh, pasme-se!!! - o Bruno intervenha. Os exercícios de branqueamento levados a cabo pelo vídeo da fundação benfica, uns dias após adeptos seus tentarem agredir Jaime Marta Soares no seu estádio, ou a forma como Lourenço Pinto mitiga o comportamento violento do Canelas 2010, contra quem os adversários já se recusavam jogar, não conseguem esconder-nos a espuma da realidade. Essa triste e infeliz realidade, de que o actual estado de podridão do futebol português está, fatalmente, ligado a porto e benfica. E não é, afinal, por culpa do Bruno.

2 comentários:

  1. Muito bom texto Billy Jigsaw, muito boa representação daquilo que é o futebol Português. Tenho muitos conhecidos adeptos de clubes rivais, como todo o adepto Sportinguista terá, que gostam de acusar o Bruno de Carvalho do estado de guerra do futebol Português, como se tudo o que se passou nos últimos 30 anos não se tivesse passado. Muita memória selectiva misturada e hipocrisia existe neste nosso futebol Português.
    Parabéns pelo blog com excelentes crónicas.

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