domingo, 30 de abril de 2017

Por-se a jeito

É uma expressão tipicamente portuguesa.
Ela foi de mini-saia para uma festa onde costumam lá estar muitos homens. "Pôs-se a jeito" para ser violada. O Charlie Hebdo tinha a mania de publicar aqueles artigos e caricaturas a gozar com a religião. "Puseram-se a jeito" para serem atacados. Aquela malta do Sporting andava a fazer o quê às 3 da manhã junto ao estádio da Luz? "Puseram-se a jeito" para que houvesse aquela tragédia.
A cartilha é a mesma e tenta passar a ideia de que a culpa terá sido de quem morreu, pois provocar tem como resultado isso mesmo, a morte. Por acaso já se saberá que afinal quem provocou inicialmente nem foi quem morreu. E quem matou só não matou mais porque não conseguiu. E não seria a primeira vez que andava nesta vida de ajustes de contas com adeptos de clubes rivais.
Sou daqueles adeptos que gosta de claques de futebol. Mas gosto pela parte bonita que emprestam aos jogos e ao ambiente festivo que criam. São eles que criam os cânticos, que animam o resto do estádio, que puxam pela equipa, que são o barómetro da popularidade da equipa. Mas detesto o resto. Detesto a cultura de grupo e violência que muitas vezes carregam. Detesto a marginalidade que lhes está associada, bem como aquela sensação de impunidade de que tudo o que se passa com claques, tende a ser branqueado ou esquecido.
Se haveria assunto em Portugal que deveria unir todos os agentes desportivos ligados ao nosso futebol, esse assunto deveria ser o combate a essa marginalidade. Infelizmente, nem neste tema, mesmo que ensombrado pela morte de mais um adeptos, consegue mobilizar os nossos dirigentes. Muito pelo contrário, o que temos assistido nestes últimos dias é a mais uma sessão de branqueamento do comportamento de marginais, desvalorização daquilo que significam e do resultado das suas acções.
A forma indigente como a comunicação social tem passado pelo tema é constrangedora, mas reveladora da sua relação com o futebol. Assim que se soube do contexto da morte do adepto, bem como da identidade de quem o matou, tiveram obviamente que falar no assunto. Mas fizeram-no sem tocar no óbvio, que salta à vista de toda a gente mas que ninguém tem coragem para desmascarar: qual é a ligação desse indivíduo à claque "No Name Boys" e qual é a ligação desta claque ao benfica. Numa primeira fase tentaram-nos vender que, enfim, essa claque terá sido provocada e respondeu à altura. Hoje sabemos que não terá sido bem assim, pois terão sido os mesmos a provocar e a terminar os acontecimentos. E a forma como tudo se passou, na véspera de um derby, num espaço público, sem aparente controlo policial, demonstra alguma falta de controlo de quem deveria zelar pela nossa segurança. E pergunto eu: a não assumpção do benfica em legalizar a claque tem implicações quanto à sua monitorização policial? Não estará o benfica, nesta sua típica manobra de descartar toda e qualquer responsabilidade, a prejudicar as acções policiais preventivas? E assim sendo, em última instância, não serão os dirigentes do benfica, em nome da instituição, responsáveis morais por tudo quanto essas "claques ilegais" perpetram, nomeadamente a morte do adepto italiano?
Ou a culpa será do próprio adepto que morreu? 

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