quinta-feira, 17 de maio de 2018

O povo é sereno

Corria o ano de 1975. Em pleno PREC, durante uma das dezenas de manifestações que se faziam nas ruas, o então primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo proferiu a célebre frase "o povo é sereno, é só fumaça", quando tentava acalmar a turba exaltada pelo rebentar de um petardo.
Não vivi o chamado "verão quente" de 1975, mas ouvi e li relatos suficientes para ter uma ideia do que foram aqueles meses. Boatos e rumores de revoluções e contra-revoluções, manifestações diárias, um misto de loucura romântica com alucinação revolucionária. Enquanto Portugal se preparava para entrar num turbilhão que se previa fatal, falaram mais alto as vozes do bom senso. A serenidade conseguiu impor-se ao frenesim revolucionário. A acalmia permitiu que não se perdesse o que de melhor se conquistara nesses meses, não permitindo que atracção coletiva pelo abismo deitasse tudo a perder.
Hoje, o Sporting parece o Portugal de 1975. A frenética roda dos acontecimentos gira perdida e livre, ameaçando esmagar tudo que se lhe intrometa pelo caminho. A contestação de alguma massa adepta desembocou na mais infâme acção que um "sportinguista" poderia alguma vez praticar: a destruição daquilo que é nosso, um ataque ao nosso coração. As notícias, essas, circulam também sofregamente pelos murais das redes sociais, anunciado um desencadeamento de acontecimentos espantosos posteriormente desmentidos. O que é verdade às 11h23, é mentira às 18h45. Nas mesas redondas televisivas, os "especialistas", os "ilustres" e os "notáveis" entretem-se duas, três, quatro horas ou mais, a masturbar-se sobre temas que já não existem, seja porque foram desmentidos ou porque estão enterrados e exorcizados desde 2013. Nunca, como neste momento, houve tanta necessidade de serenidade nas acções, nas palavras e até mesmo no silêncio. Estamos todos como aqueles manifestantes em 1975, atordoados pelo estoiro das últimas bombas, desorientados pela cortina de fumo levantada, completamente em pânico sem saber o que se estava a passar. Precisamos de vozes que nos acalmem, que nos guiem, que sirvam de farol e apontem "é este o caminho!". Vozes firmes que gritem "o povo é sereno, é só fumaça!!!!", em quem nós reconheçamos capacidade e confiança suficiente para nos conduzir.
Pela primeira vez desde Domingo, hoje acordei bem disposto. Tinha um certo receio de ligar a TV de manhã, mas depois de um curto período de indecisão terminado com um "Que sa foda!", lá a liguei. Respirei fundo, hoje ainda não tinha caído uma bomba nova. Passei uma vista de olhos pela TL do Twitter e ri-me. Era a rescisão da NOS, a rescisão dos jogadores, a implicação do Bruno pelo Fernando Mendes, o doping do Coentrão, os NN infiltrados no ataque a Alcochete, o ex-SIS do benfica, o Geraldes em preventiva, a detenção iminente do BdC.... Calma rapazes! Respiremos fundo! Já perdemos muito nestes dias, não deitemos a perder o resto que falta. Aguardemos. Nervosos, mas aguardemos. Que tenhamos a cabeça limpa e a alma preparada para enfrentarmos com coragem e dignidade as más notícias que tivermos de enfrentar. Sim, porque nós somos o Sporting. Somos diferentes. E é nestas alturas que temos de recorrer a essa diferença que nos distingue dos outros. Termos coragem de aceitar o mau, mas com a dignidade de limparmos a cara porque sportinguista que é sportinguista anda de cara limpa. Mas tudo a seu tempo. Quando chegar a altura de limparmos a cara - se ela estiver suja - limparemos. Agora relaxemos para passar o atordoado das bomba. E aguardemos pelas certezas, quando elas se revelarem. E ouçamos com muita atenção as vozes ao nosso redor.
Por estes dias tenho ouvido e continuarei a ouvir vozes a chamar-nos, tal como as sereias cantavam aos marinheiros para eles despedaçarem os seus barcos contra as pedras. Ouço muito lobo com pele de cordeiro a balir pela nossa atenção. Vejo as hienas do costume a acercarem-se da carcaça moribunda em que o Sporting se transformou hoje. Olho conformado para os ratos que já desataram a saltar borda fora do navio. Conheço-os a todos de ginjeira, os lobos, as hienas e os ratos, e a mim não me enganam eles outra vez. Mas também anotei o nome daqueles que, num momento onde é fácil achincalhar e pontapear quem está no chão, preferiram falar em defesa do Sporting Clube de Portugal, recusando-se a humilhar e a sovar quem já está desvanecido na lama. 
Bruno de Carvalho é hoje um corpo desmaiado no chão à beira de colapsar. Espancado, cuspido, arrastado e pontapeado, resta-lhe usar as últimas forças para levantar a mão e render-se ao inevitável. Merece de mim o mais sincero respeito, pelo muito que fez desde 2013. Mas perdeu-se no turbilhão frenético em que transformou o Sporting nos últimos tempos, tendo sido arrastado por ele. É irónico, mas Bruno de Carvalho foi engolido pela própria revolução que conduziu. Sobra-lhe sair de cena. Não sei se algum dia o futuro lhe irá dar razão. Queria muito que sim. E se isso acontecer, cá estaremos para lhe prestar o devido tributo.

4 comentários:

  1. Caro BJ: a revolução é como Chronos, devora os seus filhos...é uma lei histórica com provas abundantes, mais uma vez demonstrada...

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    1. E não fosse o Sporting uma constante tragédia grega....

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Bom texto. Serenidade e inteligência são fundamentais nesta altura. Não se deixem enganar e manipular pela propaganda vermelha difundida pelos jornais, rádios e televisões. O Sporting é dos sportinguistas e é só estes, em consciência, poderão decidir o futuro do clube. Mais ninguém

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