segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Uma peça de teatro by Estado Lampiânico

No passado sábado não assistimos a um jogo de futebol. Assistimos a uma peça de teatro. 
Confesso que tinha alguma curiosidade em ver até que ponto iria a desfaçatez do Braga, numa semana onde foi muito comentada a habitual bonomia com que os bracarenses jogam diante o benfica. O mote estava dado, quando Abel Ferreira decidiu bajular o treinador da equipa adversária, tomando assim partido numa guerra que não era sua. Era tão evidente a passadeira estendida à lampionagem, que eu me perguntava como ficariam os dirigentes do Braga se tivessem de enfrentar a sua massa associativa, perante um espectáculo que se adivinhava.
O Braga da presente época está muito longe da qualidade de Tondelas e Moreirenses, ou até mesmo do Belenenses. É uma equipa que chegou ao final da primeira volta isoladísima no quarto lugar, apenas a três pontos do terceiro posto, com doze vitórias em dezassete jogos. Jogar em Braga, perante uma equipa com este registo, não é fácil. Aquela desculpa, de que a qualidade (a falta dela) das equipas mais pequenas sobressai nos jogos com os grandes, não pegaria aqui. Havia portanto de dissimular o engodo que estava previsto para sábado à noite, embeleza-lo com um jogo de futebol perfeito, para que no final nada pudesse ser posto em causa. 
O guião da peça de teatro que foi representada por Braga e benfica lembrou-me aquelas aulas chatas de filosofia, que eu tive no secundário. Lembro-me vagamente de nessas aulas ter aprendido algumas técnicas de retórica, aquela disciplina que nos ensina qual a melhor forma de argumentar para no fim ganharmos uma disputa. Uma das formas para comprovarmos uma ideia era a adopção da chamada dialéctica hegeliana. Basicamente, o filósofo alemão Hegel defendia que a compreensão da realidade deveria passar por três momentos: tese, antítese e síntese. 
Aplicando a dialéctica hegeliana ao jogo de sábado, chegamos a um resultado que, de tão evidente que é, causa-nos calafrios. Comecemos pela tese que estava em jogo, que era a que o benfica é uma máquina demolidora de futebol. O momento da tese deu-se, como manda a boa retórica, no inicio de jogo. Bracarenses completamente à toa, perdendo bolas infantis, contra o rolo compressor benfiquista. No meio da confusão um passe perdido de um ex-jogador do benfica e golo dos visitantes. Mais passes falhados, mais oportunidades do benfica. Domínio avassalador. Depois veio a antítese, demonstrada já quando o resultado estava em 0-2. A tentativa pífia dos anfitriões de se aproximarem da área adversária, o golo mal sofrido pelo jogador revelação da Liga do mês de Dezembro. Quando o resultado estava num perigoso 1-2 para os forasteiros, eis que chega a síntese, que é o momento derradeiro onde na dialéctica hegeliana se chega ao resultado pretendido. E a síntese chegou-nos com um Braga a precisar de marcar, mas que teimava em trocar bolas no meio-campo em vez de procurar o jogo vertical. As trocas de bola, além de inofensivas, acabaram por provocar duas ou três perdas de bola infantis, de onde resultou o derradeiro golo lampiânico. O resultado estava demonstrado: o Estad... aliás, o benfica é avassalador. Ralou por completo o quarto classificado no seu estádio. O pano caiu sobre o palco, o teatro triunfara.
O problema desta peça de teatro é que de tão perfeita que foi, acabou por fazer desconfiar todos os que gostam de futebol, como desconfiamos daquele aluno mediano que tira 20 valores num exame difícil. No final de contas vemos que o Braga sofreu dos mesmos "azares" que outras equipas em jogos com o benfica: passes falhados em zonas perigosas do terreno, pouca vontade em disputar o jogo pelo jogo ou a falta de vigor na hora de atacar a baliza adversária. O mesmo mal porque passaram Moreirense, Tondela, Belenenses, entre outras equipas, sempre que jogam com o benfica.
Estarei eu a alucinar, quando digo que o jogo de Braga foi uma farsa? Será exagero meu? Não. Veja-se o jogo do Aves em Alvalade. Uma equipa que veio de um jogo a meio da semana, que ocupa uma posição aflitiva na tabela classificativa, chega ao nosso estádio e decide jogar o jogo pelo jogo, dentro das suas limitações. O resultado foi 3-0 a nosso favor, mas os números são enganadores. O Aves, enquanto teve pernas ainda na primeira parte, mandou uma bola à barra e obrigou Rui Patrício a duas intervenções difíceis. Não foi nada do outro mundo, afinal era o aflito e fatigado Aves. Mas o aflito e fatigado Aves conseguiu fazer mais em Alvalade do que o Braga no dia anterior. E porque motivo assim foi? O motivo é simples: num estádio jogou-se futebol. No outro representou-se futebol. E não foi uma representação qualquer, foi mais uma peça de teatro com o alto patrocínio do Estado Lampiânico.

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