quarta-feira, 11 de abril de 2018

Recordar é viver: De João Rocha até aos dias de hoje

Diz-se que o homem é ele e a sua circunstância. Mas para que o imediato não nos tolde o discernimento, também se diz que a vida é uma constante aprendizagem. Daí que tenha sentido a necessidade de escrever este post, pois se há coisa que os meus quase 40 anos de sportinguismo me ensinaram, é que nem sempre aquilo que parece, é.
Sendo este post uma espécie de desfile de memórias minhas, não me vou perder com muitos preciosismos. Vou relatar as coisas tal e qual como me lembro delas, por isso espero que me desculpem se falhar nalgum pormenor.
Por estes dias, anos até, um dos nomes que mais se fala é o de João Rocha. O mítico presidente é uma espécie de "Sá Carneiro" sportinguista, alguém cuja memória é invocada sempre que queremos demonstrar sportinguismo. Roquetistas, croquetes, brunistas, todos choram por João Rocha. Mas ao contrário de Sá Carneiro, que acabou a sua carreira política de forma abrupta e involuntária, João Rocha foi "corrido" de Alvalade. Não conseguiu o apoio necessário para travar uma guerra sem tréguas com a então figura ascendente do futebol português, Pinto da Costa. Agastado com as punhaladas nas costas dos "notáveis" do costume, alegou problemas de saúde e bateu com a porta algures em 1985 ou 86. Há sobretudo duas coisas que todos associamos a João Rocha: ecletismo e património. Não deixa de ser interessante ouvir sportinguistas ligados a direcções que rebentaram literalmente com as modalidades e o nosso património, virem chorar pelo legado de João Rocha.
Quem sucedeu a João Rocha foi Amado de Freitas, indicado pelos "notáveis" do Conselho Leonino, cujo mandato pouco serviu além de antecâmara de Jorge Gonçalves. O "bigodes", que pouco depois fugia para Angola depois de nos deixar com uma dívida brutal. Quem pegou então no barco foi Sousa Cintra, o famoso presidente que quando questionado se gostava de Mark Knopfler (os Dire Straits iam actuar em Alvalade daí a uns dias) disse que era um bom jogador para a nossa equipa. Sousa Cintra era assim, uma figura algo parola, careca, com acentuado sotaque algarvio (o "Figue"), pato-bravo e arrivista social, que fizera fortuna com o comércio de águas engarrafadas. Era tudo o que não estavamos habituados a ver, ou a imaginar, á frente do Sporting. Daí que os seus 5 ou 6 anos de presidência tenham sido sempre de constante bombardeamento dos "notáveis" sportinguistas do costume, além dos nossos rivais. Efectivamente, o Sporting construiu nesses anos boas equipas, com muita juventude a que se juntaram jogadores experientes e treinadores consagrados. Foram dados alguns tiros nos pés, como a demissão de Bobby Robson, a telenovela em torno de Figo ou a compra desastrosa de Paulo Sousa, mas em contrapartida lutavamos pelos campeonatos e estivemos muito perto de ser campeões, em 1994 e 1995. Sousa Cintra acabou também por sair, pressionado pelos "notáveis" e pelos adeptos. Na altura, dizia-se que tínhamos uma dívida insustentável, pelo que urgia arranjar soluções para a pagar.
Entra então em cena José Roquete e o seu famosíssimo projecto para o Sporting. Roquete pode-se gabar de ter conseguido ganhar um campeonato ao fim de 18 anos (2000) e ter dado condições para se conquistar outro (2002, já com Dias da Cunha presidente). Em traços gerais, o projecto Roquete serviu para introduzir no clube uma filosofia economicista e de alta finança onde só havia paixão e amor à camisola. Em troca da "sustentabilidade" das contas do clube, livramo-nos de "desperdícios" como as modalidades de pavilhão, "rentabilizámos" o nosso património e acabámos a hipotecar a nossa competitividade desportiva a troco de uma "aliança" com o porto, onde ficamos com a parte de gatinho. 
Em 2013, os nossos "notáveis", curiosamente muitos do que ainda por estes dias continuam a opinar sobre o Sporting, falavam abertamente da possibilidade do clube fechar portas e abrir-se outro, que começaria a competir na III divisão. Falavam na inevitabilidade da bipolarização do futebol português, cujo mercado era incapaz de sustentar três equipas "grandes". Por fim a "belenização" do Sporting, apontado com destino mais que provável das nossas coisas. Entretanto, em 2018, já ouvi alguns desses "notáveis" dizer que afinal a restruturação da banca, bem como o projecto do pavilhão, já estavam prontos em 2013. E que esta crise ainda é maior do que a desse ano. Oiço isto e penso que se calhar não é só Bruno de Carvalho que deveria estar num manicómio.
Mas não é só sobre João Rocha, Sousa Cintra e os "notáveis" que eu vos queria aqui falar. Gostaria de falar de Paulo Futre, o meu primeiro e último ídolo jogador do Sporting, que saiu de sua casa em direcção à terra cintilante do dinheirinho (e contribuiu para afundar a imagem de João Rocha). Luis Figo, outro dos nossos "meninos de ouro", que saiu em 1995 amuado. Falar de Sá Pinto, grande sportinguista, que não tolerou a falta de respeito de um jogador do Sporting (outro menino querido na altura, Liedson) e saiu corrido de Alvalade. Costinha, que lhe cheirou a "esturro" a "lesão" de Izmailov, mas cuja corda partiu para o lado dele. Augusto Inácio, entalado por Pedro Barbosa. José Peseiro, que viu o seu balneário amotinado ao intervalo de uma final europeia, que estava a ganhar. Pensem nestes episódios todos da vida do nosso clube e tentem lembrar-se de quem foram os maus da fita, quem é que os "notáveis" se apressaram a cruxificar na praça pública.
Por estes dias, estejam atentos a tudo o que se passa à vossa volta. Desconfiem daquele discurso, que agora também virou moda, de que "nestes últimos cinco anos foram feitas coisas boas" mas que tudo não passou de uma deriva face ao "verdadeiro Sporting". Isto é conversa de "croquete bom", que como na história do "polícia bom e polícia mau", apenas nos tenta conquistar a empatia para que depois o "croquete mau" venha fazer o "trabalho sujo". E que trabalho é esse? O mesmo que se fez depois de João Rocha e Sousa Cintra terem saído, que é tornar o Sporting "propriedade" de uma elite social e desportiva, onde o interesse sobre o futebol (exclusivo) acaba quando começa o interesse dessa elite sobre o clube. Um clube onde o "glamour" e o "parecer bem" se sobreponham ao "Esforço, dedicação, devoção e glória". Onde o "Campo Grande Sport Club" se sobrepõe ao Sporting Clube de Portugal.
É a minha convicção que Bruno de Carvalho não sobreviverá a esta crise. Mas estou certo que o espírito de tudo o que representa continuará bem presente. O Sporting eclético, zelador do seu património, inconformado com a derrota, com garra e uma tremenda sede de vitória, socialmente transversal do topo sul à central poente, desalinhado com "esquemas" de polvos e frutas. Está na hora de enterrarmos de vez o "Campo Grande Sport Club". 

1 comentário:

  1. Muito bom, caro Billy Como sempre.
    A minha memória mais distante é a da chegada de Sousa Cintra a presidência. Não termos sido campeões com Balakov, Figo e Iordanov ainda assombra as minhas noites! Assim como a queda do varandim em Alvalade e que devia ser motivo para o cancelamento do fatídico jogo com o FC Porto de Bob Robson...
    Apesar do cheiro a fritos ter regressado ao clube por estes dias, estou convicto que os Sportinguistas estão mais informados e posts como o do "Let's play a game" também ajudam a reavivar a memória dos sócios,que na maioria das vezes, infelizmente, é curta! SL

    ResponderEliminar