segunda-feira, 9 de abril de 2018

A queda de um anjo

Desde as 20 horas e 05 minutos da passada quinta-feira que eu sinto-me como se estivesse num sonho. Daqueles sonhos onde toda a realidade aparece distorcida, nada faz sentido, tudo está ao contrário. A diferença para outro sonho qualquer é que neste, por mais que queiramos acordar, não conseguimos. Por fim conseguimos ultrapassar a fase da negação e aceitamos a triste realidade, de que nada disto é sonhado. Aconteceu mesmo e continua a acontecer. 
Passadas mais de 80 horas desde que tudo começou, consigo finalmente ter a serenidade suficiente para me sentar em frente ao computador e escrever estas palavras, tentando arranjar a mim próprio e a quem me lê uma explicação que me ajude a entender como foi possível termos chegado a este ponto.
Tudo começou em 2013. Algures durante a nossa pior época futebolística de sempre, alguns sócios decidiram forçar o clube a ir a eleições antecipadas, num último esforço de evitar que o Sporting se afogasse na lama onde se foi enterrando ao longo dos anos anteriores. Como era mais do que esperado, Bruno de Carvalho ganharia o acto eleitoral que se seguiu, não porque os seus oponentes fossem fracos, mas porque estava escrito que a vitória seria sempre sua, fosse contra quem fosse. 
Bruno de Carvalho ainda teve a infelicidade de suportar a humilhação de presidir o clube naquele final de época terrível de 2012/13. Mas teve forças para ultrapassar essa humilhação, até porque não seria a única. Juntou-se a questão do debate público em relação às dívidas do Sporting, bem como a telenovela Bruma. O nosso presidente revelou então uma característica que marcaria a sua função, a sua profunda obstinação para conseguir o melhor negócio possível para o Sporting. Os resultados a curto prazo foram positivos: a dívida foi renegociada em termos favoráveis para o clube, Bruma não saiu a custo zero para nenhum rival e ainda rendeu mais de uma dezena de milhão de euros e a época de 2013/14, apesar da frugalidade com que foi preparada, revelou-se bem melhor que as 3 ou 4 temporadas anteriores. De resto, mesmo com um plantel curto para sermos campeões, tivemos de ser roubados em Setúbal (curioso, não é?) para nos afastarem da luta pelo título dessa época, como havíamos sido também roubados na Luz para nos eliminarem da Taça de Portugal.
Bruno de Carvalho cedo percebeu que tinha de arrepiar caminho se queria ser levado a sério no panorama futebolístico português. As expoliações de 2013/14 (ainda assistiu, no final da época de 2012/13 à "capelada" na Luz) levaram-no a falar grosso para dentro e fora do clube. Veio o discurso das nádegas, que funcionou como uma pedrada no futebol nacional. Notava-se já um desvio na forma como as declarações de BdC se sobressaiam face ao establishment, mas nesse tempo ainda se conseguia olhar mais para o conteúdo do discurso de um presidente que todos elegiavam pela irreverência. 
Depois do verão de 2014 aconteceu muita coisa que muitos pensavam que já não aconteceria ao nosso clube: voltámos á Liga dos Campeões, onde só uma roubalheira nos tirou dos oitavos-de-final, conquistámos uma taça de Portugal e uma supertaça, construímos o nosso pavilhão para as modalidades, batemos records de assistências anuais em Alvalade, de sócios, construímos equipas de futebol competitivas, contratámos o melhor treinador a treinar em Portugal, vendemos jogadores cirurgicamente e sempre por valores que jamais sonharíamos. Enfrentámos o Estado Lampiânico, a comunicação social tendenciosa, os interesses instalados no futebol, os croquetes. E em 2017 demos uma enorme prova de gratidão à pessoa que conseguiu dar tudo isto ao Sporting, reelegendo-o categoricamente para mais um mandato, através do acto eleitoral mais concorrido de sempre no nosso clube.
Entretanto a irreverência comunicacional de Bruno de Carvalho foi perdendo o seu brilho, transformando-se em incómodo e depois em embaraço. Foi a telenovela em torno de Marco Silva, foi o "olhem para cima", o discurso da bardamerda, era a saída anunciada do Facebook que afinal já não era. Os sportinguistas iam perdoando a forma como BdC comunicava porque o conteúdo ainda lhes dizia algo. A forma como perdemos o campeonato de 2015/16 e a roubalheira que sofremos na primeira volta de 2016/17 eram suficientes para manter-nos a nós, os adeptos, mobilizados. Apesar da forma, o conteúdo da mensagem presidencial era perceptível. 
Até que chegamos à presente temporada. Bruno de Carvalho, castigado pelas instâncias federativas, remeteu-se a um longo silêncio que marcou praticamente toda a primeira volta. O clube e a equipa de futebol pareciam ter lidado bem com esse silêncio. Nas modalidades comandávamos todos os campeonatos e no futebol, além da liderança, ainda estávamos presentes em todas as competições. Foi por isso que muitos de nós assistimos incrédulos à história da AG dos estatutos e a todo o reboliço que se seguiu. Pelo meio perdemos no Estoril e comprometemos as nossas aspirações ao título. Bruno de Carvalho exigiu as suas condições para continuar à frente do clube e os sócios deram-nas. Novo discurso de vitória, novo equívoco comunicacional, desta vez contra a imprensa em geral. Era perceptível que o discurso presidencial se degradava cada vez mais, tornando-se mais errático e insensato, até mesmo estapafúrdio.
A forma como Bruno de Carvalho decidiu abrir uma frente de guerra com a larga maioria do plantel principal do Sporting é um misto de desnorte com absurdez. Ocorreu depois de uma derrota patética, é certo, mas numa fase onde ainda temos muito para ganhar. E num momento onde todas as nossas baterias deviam estar apontadas á forma impune como os nossos adversários passeiam-se no campeonato. Gostava sinceramente que tudo isto acabasse com um abraço entre Bruno, os jogadores e os treinadores, debaixo dos aplausos de Alvalade, com a promessa do fim do Facebook presidencial. Mas isto é tão realista como acreditar que é possível a paz em todo o mundo. Primeiro, porque já se percebeu que BdC padece da patologia de utilizador compulsivo do Facebook. Segundo, porque mesmo que exista esse abandono da rede social, já foram ditas coisas entre jogadores e presidente que tornam impossível qualquer retorno ao pré-Atlético de Madrid. E infelizmente, como se constatou ontem, Bruno de Carvalho não percebeu o que lhe grita a maioria dos sportinguistas (sócios e não só), preferindo agravar a rotura com os jogadores em vez de procurar a reconciliação. 
E os jogadores no meio disto tudo, como ficam? Desde que na minha infância vi o meu maior ídolo fugir para um clube rival (Paulo Futre), que adoptei aquela velha máxima de "ídolos zero", que agora muitos trazem na boca. Por muito sportinguistas que sejam, por muitos anos de Sporting que carreguem consigo, vejo os jogadores como profissionais pagos pelo clube para jogar à bola. E como profissionais que são, também anseiam por jogar noutros clubes que lhes paguem o dobro ou o triplo do que recebem hoje. É assim a vida. Não me emociono com juras de amor e murros no peito na hora de festejar golos. Se os jogadores estiveram bem neste episódio, claro que não estiveram. São profissionais, não podem entrar em debate público com a figura máxima da sua entidade patronal. Mas tem a seu favor o facto de terem agido em reacção a uma disparatada tomada de posição pública dessa figura máxima. E sinceramente, numa época onde foi batido o record de jogos disputados, com um treinador adverso à rotação da equipa, creio que os nossos jogadores estarão a jogar no limiar das suas capacidades físicas. E depois do que vimos sábado em Setúbal, facilmente chegamos á conclusão que não é pela falta de entrega dos nossos jogadores que estamos afastados da luta pelo título. Não foi mesmo isto que Bruno de Carvalho e Nuno Saraiva andaram constantemente a dizer? Ontem via aquela fúria toda do Rui Patrício a mobilizar os seus colegas antes e depois do jogo e gostava de ver essa mesma fúria quando somos roubados ou vemos os nossos rivais a serem levados ao colo. Mas essa falta de fúria não será antes um fracasso de Bruno de Carvalho, que não soube mobilizar os seus jogadores para uma luta maior?
Entretanto Jaime Marta Soares resolveu, e bem, pôr fim a esta patética novela que se arrasta desde quinta-feira e vai convocar uma AG extraordinária que, no limite, provocará a destituição de Bruno de Carvalho (isto se ele não se demitir antes, o que eu não acredito). Não acredito que Bruno de Carvalho se recandidate, mas mesmo que o faça acho que é tão inevitável perder essas eleições como era inevitável te-las ganho em 2013. Espero e desejo apenas que as partes saibam honrar-se a si mesmas e sobretudo saibam honrar o Sporting Clube de Portugal. Bruno de Carvalho, porque queria recordá-lo como o homem que retirou o Sporting da lama e que por isso merecerá toda a minha consideração e admiração enquanto sportinguista. Os jogadores, porque ainda tem muito para ganhar até final da época (Atlético de Madrid, porto, 2.º lugar e, quiçá, até o 1.º).
Quanto aos sportinguistas, muito do que leio parece que nos empurra para uma escolha entre Bruno de Carvalho e o regresso dos croquetes. Não acredito que assim seja. Hoje os sportinguistas estão muito mais atentos e informados, pelo que não acredito que voltem a ser seduzidos pelo palavreado sonso dos croquetes desta vida. Temos blogues como o Artista do Dia ou o Mister do Café, paineleiros em diversos programas televisivos, até mesmo colunas de opinião nos jornais, que estarão prontos para desmascar a conversa fiada e bafienta da croquetada. Depois porque acredito que se consiga gerar consenso entre os brunistas para apoio de uma figura que consiga representar e continuar tudo o que de bom Bruno de Carvalho fez pelo nosso clube, mas sem cair nos seus erros.
Sporting Clube de Portugal, sempre!!!

6 comentários:

  1. A culpa e sempre dos arbitros... assim nao vao melhorar nunca...

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  2. Ao ler aqui tudo aquilo que tenho vindo a dizer desde 6ºfeira, em casa, no trabalho entre amigos e ontem em Alvalade...Aquilo que eu desejo para o SCP é ter como proximo presidente alguem que me prometa que vai fazer tudo igual ao que BdC, que vai dar continuidade ao trabalho de BdC e que vai tudo fazer para cumprir o programa/promessas de BdC...tudo, menos o Facebook e o que isso representou e marcou estes 5 anos.
    Bruno de Carvalho merece ficar na história do SCP, o seu trabalho merece o respeito e consideração de todos os sportinguistas e merece que os sportinguistas o saibam reconhecer e estimar esse trabalho...BdC merecer festejar connosco as vitorias que tanto se esforçou para nos dar...Quero muito que BdC não perca a oportunidade de ainda poder sair em GRANDE do SCP...
    Sem duvida o melhor presidente do SCP que conheci em vida..(quando nasci Joao Rocha era presidente do SCP, mas tenho zero memoria desses tempos...apena sei o que se escrev e diz).
    Mas agora...e doi muito dizer isto...a sua permanecia no SCP é toxica...so vai fazer mal ao SCP e possivelmente a ele proprio...
    Quem "pegar" vai encontrar um clube muito,muito mas mesmo muito melhor que aquele que BdC encontrou,mas agora vai enfrentar a tal bitola da exigencia maxima que BdC tanto tentou implementar...os sportinguistas dificilmente vao exigir menos que a perfeição...E esse e talvez o legado mais importante dos 5 anos de BdC. Espero que saibamos escolher...

    Parabens pelo texto..

    SL

    E quinta-feira la estaremos a apoiar quem a camisola verde e branca...

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    1. Também mal me recordo de João Rocha, mas é o suficiente para me lembrar de que ele foi corrido do clube. Ficámos entregues a uma comissão administrativa, cuja presidência foi assumida por Amado de Freitas. A coisa correu tão bem que uma ou duas épocas depois não tínhamos jogadores suficientes para começar a temporada, tivémos de os ir buscar aos juniores.
      E agora todos falam de João Rocha à boca cheia, quando na altura foram os primeiros a puxarem-lhe o tapete dos pés.
      Por isso é que eu quero e defendo uma saída pacífica e racional desta confusão. A comunicação social está já a fazer a sua parte, oscultando figuras importantes do nosso universo, como Severino, Madeira Rodrigues, Boal, etc. Ainda vão conseguir fazer o que eu ainda acho que é impossível: ressuscitar o Bruno.

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  3. Bruno de Carvalho , o maior presidente de sempre do SCP , irá sucumbir ás hienas , no clube dos leões ? o presidente que quando chegou pagava-se a 3 ou 4 treinadores , alem do treinador vigente , que negociou a reestruturação bancaria de forma extremamente benéfica para o SCP , que dobrou o numero de sócios pagantes , que ganhou títulos nacionais e europeus nas modalidades , que lutou , que combateu a podridão instalada na imprensa e arbitragem , que sofreu diariamente ele e família ataques soezes dessa mesma imprensa , que ate vendeu um treinador , que negociou um grande contrato televisivo , é agora atacado pelas hienas, algumas dentro do próprio clube , como alguns jogadores , ídolos de pes de barro ? O Bruno representa o SCP na sua essência pura , o SCP de todos e não o SCP das elites , do clube de chá , dos punhos de renda , do clube da falsa etiqueta , dos interesses pessoais . FORÇA BRUNO

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    1. Não ponho nada disso em causa. A minha dúvida é se Bruno ainda é a solução dos problemas que ele próprio criou. Em 2014, recuou quando percebeu que era prematuro correr com o Marco Silva. Percebeu, e bem, que há mais marés que marinheiros e que com azeite também se apanham moscas. No final da época tratou de Marco Silva como todos sabemos e o tempo deu-lhe razão.
      A questão da falta de empenho dos jogadores arrasta-se, pelo menos, desde o jogo de Chaves da época passada. Pergunto-me se este era o momento correcto para trazer a público esse problema. E pergunto-me igualmente se se tivesse recuado não teria protegido melhor os interesses do Sporting e do próprio Bruno de Carvalho. Estamos a pouco mais de um mês do final da época e aí ele teria mais capacidade para tratar convenientemente do problema dos jogadores. Até porque os adeptos, que não andam a dormir, percebem que há algo de errado quando festejamos efusivamente golos e damos voltas olímpicas após uma vitória normal com o Paços de Ferreira. Como disse Eduardo Barroso, queria ter visto todo esse festejo efusivo nos outros golos e vitórias que conquistámos. Se o Bruno de Carvalho recuasse, o que ficaria na memória dos sócios não era o post duas horas antes do jogo, mas antes a atitude despropositada dos jogadores a festejar uma vitória irrisória.
      Agora não será tarde demais?

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  4. esqueci-me dum pequeno pormenor - deu-nos um pavilhão , coisa que nenhum desses presidentes merdosos que agora aí aparecem nunca sequer sonharam nos seus patéticos mandatos

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