segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Bruno e a hipocrisia

Vivemos num país onde a comunicação social é constantemente atacada por ter "falta de isenção". E no que ao futebol diz respeito, perco nas brumas da minha memória os inúmeros episódios de agressões a jornalistas, pedidos de boicote, black-outs, etc. E nem é preciso recuarmos muito no tempo. Ainda no sábado um jornalista da SporTV foi insultado em directo no estádio da Luz. E o octogenário Pinto da Costa meteu um repórter (da Renascença, creio) fora de um conferência de imprensa que estava a dar na rua. Sim, os jornalistas e os orgãos de comunicação social são um alvo fácil da fúria futebolística. Mas só agora é que se lembraram de proclamar que essas atitudes são anti-democráticas. 
A reação dos jornalistas ao boicote do Bruno foi a esperada. Rasgaram as vestes, cerraram fileiras, gritaram por "fascistas!!!". No que toca a classes profissionais que defendem acerrimamente os seus, os jornalistas são dos melhores. Quem ousar dizer algo sobre a falta de isenção de um OCS ou dum jornalista em particular, é logo acusado de atentar contra a liberdade de imprensa. Estranhamente, esta falange de defesa dos jornalistas desmobiliza-se quando na origem dos "atentados à liberdade de imprensa" está outro clube. Portugal é um país muito bonito, temos muita liberdade, democracia e tal, mas quando ousamos beliscar algumas "vacas sagradas", apanhamos uma carga de porrada à moda da velha PIDE. Exprimentem por em causa a isenção dos nossos jornalístas, dos nossos juízes ou dos advogados. Pior do que isto só mesmo meterem-se com o benfica. 
Irrita-me a hipocrisia com que a classe jornalística abordou a história do boicote de Bruno de Carvalho, principalmente quando num passado bem recente pudémos comparar absurdas diferenças de tratamento entre clubes e dirigentes. E irrita-me mais porque transformaram um inofensivo ataque do presidente do Sporting à imprensa num ataque à democracia.
E é um ataque inofensivo porquê? Em primeiro lugar, qualquer adepto de futebol neste país, que tenha um mínimo de bom senso e amor ao seu dinheiro, recusa-se a gastá-lo para comprar um jornal desportivo. Toda a informação que lá vem acaba por ser disponibilizada na internet. Seja nos sítios dos próprios jornais, seja em blogues, o seu conteúdo acaba por ficar ao alcance de qualquer internauta. Eu não compro um jornal desportivo aos anos, não foi preciso vir o Bruno sugerir-me para não o fazer. Mas quem o lê nos cafés e barbearias continuará a lê-lo, pois se calhar é a única forma que tem para confirmar que aquele golo foi mesmo mal anulado. Em segundo lugar, as televisões. Quem preza pela sua integridade intelectual há muito que deixou de ver os chamados "programas de painel desportivo". Não há paciência para Guerras, Rodolfos e Venturas aos gritos. Aquilo é tudo vazio de conteúdo, oco de substância. Não me lembro da última vez que vi um programa desses. E quem os vê, diz-me que é para se rir das palermices que por lá são ditas. Em terceiro, a questão que mais preocupa lampiões e andrades, que acham que estamos "proibídos" de ver outra coisa na televisão que não a Sporting TV. Sugerir, em 2018, que devemos apenas ver um canal de televisão tem tanto sentido como dizer a um adolescente que não beba alcool quando sair à noite ou pedir à nossa filha que se case aos 30 anos ainda virgem. São sugestões que não resultam porque simplesmente estão descabidas de sentido.
Ora, partindo do princípio que Bruno de Carvalho ainda está na plenitude das suas capacidades intelectuais e mentais, porque motivo decidiu ele levar a cabo um ataque à imprensa, que se tornou inofensivo de tão disparatado que foi? Para respondermos a esta pergunta, temos de nos pôr na óptica dos sportinguistas e não dos jornalistas ou dos nossos adeptos rivais. E como sportinguista, o que é que o discurso de Bruno de Carvalho contribuiu? Em primeiro lugar, como já disse, desmascarou a hipocrisia do nosso jornalismo. Bruno de Carvalho limitou-se a dar um pontapé na palmeira para ver a macacada a cair de lá. E cairam muitos macacos, alguns bem grandes. Em segundo lugar, militância. Bruno disse que a contrapartida por deixar de postar no Facebook e fugir do espaço mediático passaria por um incremento da militância sportinguista. E sugeriu formas de demonstrar essa militância: não embarcar em campanhas de intoxicação que alguma imprensa, desportiva e não só, teima em nos fazer. A forma como o sugeriu, boicotando tudo e todos, talvez não tenha sido a mais feliz. Mas se há coisa que já deveríamos saber sobre Bruno de Carvalho é que ele é assim. Para nos mostrar onde está a luz, ofusca-nos com o sol. Não há volta a dar com este presidente. Cabe-nos a nós, sportinguistas, perceber onde está a essência das coisas, sem nos debatermos pela espuma do supérfulo e acessório.

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