terça-feira, 22 de agosto de 2017

Jesus, o Mártir?

Tenho visto e revisto aquela famosa jogada de Eliseu, que entra a pés juntos sobre um adversário, sem dúvida alguma de forma intencional logo merecedora de cartão vermelho directo, mas que foi transformada pelo árbitro em falta a favor do benfica.
Essa jogada é uma antologia do que tem sido estes últimos campeonatos. Uma equipa que ainda na época passada jogou remendada, pois vários dos seus titulares estavam no estaleiro, conseguiu milagrosamente vitórias atrás de vitórias. Eliseu foi um desses jogadores repescados, pois Grimaldo passou boa parte da época lesionado. E a saga continua esta época. Causa assim alguma estranheza que o benfica remendado consiga tão bons ou melhores resultados do que a sua dita equipa principal. 
Vejamos o Sporting. Todos se lembram da tragédia que assolava a nossa nação cada vez que Adrien ou William Carvalho se lesionavam. Não tínhamos jogadores à altura de os substituir, logo as coisas tinham a tendência para correr menos bem. E nem é preciso ser um mestre da táctica para perceber isto, aliás a própria estatística ajudaria a confirmar tal coisa. Se são os melhores, é porque a equipa com eles consegue os melhores resultados. Os restantes até podiam fazer um brilharete num ou outro jogo, mas quando atingem o mesmo nível da melhor equipa, ou são "muita" bons ou então algo se passa. E quando percebemos que estamos a comparar Eliseu com Grimaldo, Fesja com Samaris, Bruno Varela com Ederson, Sálvio com Cervi, André Almeida com Nelson Semedo, etc. etc., mais convencidos ficamos que alguma coisa não bate certo.
Trago este tema à colação porque ainda esta semana ouvi a conversa do costume, de que o nosso treinador só quer saber do campeonato e está-se a borrifar para as restantes competições, Liga dos Campeões inclusive. Ou seja, JJ convence-se de que tem uma equipa apenas com 12 ou 13 jogadores capazes de render aquilo que ele gostaria que rendessem, logo para os proteger foca-se na principal competição interna. O resto é para ir dando uns chutos, uma espécie de jogos-treino a meio da semana. Esta época parece diferente, pois o plantel já oferecerá mais soluções do que nas últimas épocas, mas o estigma sobre Jesus continua lá. 
Esta semana li textos de sportinguistas a defender a adopção de um sistema "à Rui Vitória" ou seja, jogar sempre para ganhar, seja qual for a competição e o adversário. Até aqui tudo bem, o Sporting deve jogar sempre para ganhar. Em Guimarães, no meio de dois jogos importantíssimos para nós, jogámos com grande intensidade e as coisas correram-nos bem. Resta agora vermos se o que corremos sábado não fará falta para correr na quarta-feira. Veremos. Já o Steaua, por exemplo, deu-se ao luxo de descansar praticamente toda a equipa no jogo do campeonato. Se o Sporting tivesse jogado em casa com o Tondela ou com o Boavista, será que faria sentido jogar da mesma forma como jogou em Guimarães? Claro que sim. E essa abordagem era realista? Pois, aqui torço o nariz.
Jorge Jesus, fora aquela sua típica presunção e jactância, é um treinador experiente, que sabe de futebol. Não é um treinador de bancada, alguém susceptível às opiniões dos adeptos ou dos jornais. Ele sabe que o Sporting, como antes o benfica, entram em tudo para ganhar. E também sabe que é tudo muito bonito, mas o que o pessoal gosta mesmo é de ser campeão nacional. E entre apostar todas as fichas numa eliminatória ou ir gerindo os jogos do campeonato jogo após jogo, ele prefere a segunda. Foi assim no benfica e tem sido assim no Sporting. Daí que quando esteve nos nossos rivais nunca tenha feito grandes campanhas na CL. Ele sabia que para ter um benfica forte, capaz de internamente bater o pé ao porto, teria de ter todos os seus jogadores disponíveis para o campeonato. Isto é pragmatismo. Mas também é levar o futebol a sério.
Foi com Jorge Jesus à frente do benfica que o colinho encarnado começou a substituir o colinho azul. O seu último campeonato conquistado em Carnide foi assim ganho, já à custa de muitos jogos a jogar contra 10. Se Jorge Jesus quisesse, podia ter feito todos os jogos com os mesmos 11 jogadores, que era capaz de ter sido bicampeão na mesma. Jogando "à Rui Vitória". Mas JJ não gosta de jogar "à Rui Vitória". É demasiado fácil para ele. JJ ainda é daqueles treinadores à antiga, que gosta das suas equipas a jogar como se jogava nos anos 80 ou 90, sempre para o espectáculo que o resultado viria depois. Gosta de desafios tácticos e mind-games, mesmo que não tenha pedalada para eles. JJ gosta demasiado do futebol para tratá-lo como a farsa que é hoje. Daí que no seu último ano na Luz, em vez de se sentar comodamente no banco, mandar a equipa para a frente e esperar que os padres tratassem de tudo durante a missa, JJ tenha preferido levar o futebol com a seriedade que ele (não) merece. E se calhar até foi por isso que JJ terá saído do benfica em 2015, quando percebeu que já era indiferente para o clube quem era o seu treinador. E a coisa é tão simples como isto: imaginam Rui Vitória ser campeão com outra equipa e/ou outro campeonato? Pois...
Acabo este meu sucinto raciocínio com uma ideia, quiçá arrojada, de que no final de contas Jorge Jesus não é mais do que um mártir do actual futebol português. Mártir pela ingenuidade de ter acreditado que, só pelas suas tácticas, uma equipa foi bicampeã em Portugal. E pela ingenuidade de querer levar o futebol a sério, num país onde o futebol é de faz-de-conta. Um país onde o campeão nacional joga com Eliseu, Samaris e André Almeida a titulares. Mas onde o meio-campo do campeão da Europa não consegue ser campeão em Portugal. Um país onde uma agressão é transformada em falta contra o agredido.

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