terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

O dilema

Cerca de 10 meses depois de um resultado eleitoral esmagador, eis que o Sporting se depara com um tremendo dilema (mais um).
Não nos basta ter ganho o primeiro troféu oficial da época de futebol, estarmos ainda a disputar todas as outras competições e só dependermos de nós para sermos campeões. Não basta igualmente estarmos na frente em voleibol, futsal, futebol feminino e andebol. Também não basta estarmos a lutar taco-a-taco o campeonato de hóquei em patins, termos ganho duas competições europeias de corta-mato, estarmos na final-four europeia de futsal e continuarmos a disputar a champions de ténis de mesa. Nas vitórias como nas derrotas, é fatal como o destino que o nosso clube tenha de tropeçar naquilo que chamam de "crises". E nem mesmo na melhor época desportiva dos últimos anos (últimas décadas, digo-o eu), com a direcção eleitoralmente mais legitimada de sempre, conseguimos fugir à filha da puta da crise.
Sim, eu lembro-me como estava o Sporting em 2013, quando Bruno de Carvalho chegou à presidência. Sim, eu sei que nestes últimos 5 anos passamos de um clube simpático que "fazia falta ao desporto em Portugal" para uma potência desportiva temida e odiada. Passámos de clube devedor e falido a clube economicamente robusto e sustentável a médio prazo. E sim, eu sei que 90% disso foi conquistado graças à preserverança e carolice de Bruno de Carvalho.
Ontem percorria as redes sociais e os comentários dos "brunistas" iam sempre no mesmo sentido: foi ele que tirou o clube do buraco e lhe deu a aura de potência que tem hoje, logo tudo isso justifica que a 17 de fevereiro lhe passemos o cheque em branco que nos foi exigido. Actualmente parecemos os lampiões, que perante o rol de acusações e suspeitas que envolvem o seu clube, nos respondem sempre com o "Ah, mas o Paulo Pereira Cristovão coiso e tal...". Neste momento, os sportinguistas que apoiam a actual direcção, eu incluído, usam o argumento do "Bruno salvador" para lhe perdoarmos todos os desvaneios, os delírios, as desbocadas, as discussões facebookianas com figuras menores dos clubes rivais ou com jornaleiros e paineleiros desportivos. E até quando o facto de Bruno de Carvalho ter sido o nosso salvador, vai justificar que continuemos a aturar todas as  suas telenovelas mexicanas em torno do Sporting?
A pergunta seria de resposta fácil, se entretanto vissemos surgir alguém no horizonte que pudesse seguir o que de melhor foi feito por esta direcção, sem ter de cair nos mesmos erros. O grande problema da chantagem, da clarificação, do all-in ou lá como quiserem chamar ao que BdC fez ontem, é precisamente esse: se o actual CD cair e não se recandidatar, o que é que virá a seguir?
Este é o dilema por onde a nação sportinguista terá de passar até dia 17. Por um lado temos o Sporting entrincheirado, as guerras do Facebook, o presidente adepto. E o que temos do outro lado? Pedro Madeira Rodrigues? Croquetes e rissóis? O Camarote Leonino? A malta dos outdoors? Os gajos que vão aos almoços com o Vieira? Os dragartos? Os informadores do Pedro Guerra? Mas com tanto sportinguista ilustre por aí, será que não há ninguém que seja capaz de dirigir o nosso clube com a mesma paixão que o actual presidente, mas sem ter de estar constantemente em guerra com o resto do mundo?
Sempre que passa na televisão, eu gosto de ver aqueles documentários a preto e branco sobre os meses que se seguiram á revolução do 25 de Abril, o chamado PREC. Portugal tinha saído de uma ditadura de várias décadas, era um país atrasado e subdesenvolvido, que estava nas mãos de uma pequena elite política, social e financeira. Na altura brilhava um homem chamado Pinheiro de Azevedo, primeiro-ministro do último governo provisório e tio-avô de Bruno de Carvalho. Numa época em que os radicalismos andavam á solta pela rua, Pinheiro de Azevedo ficou para a história como o "Almirante sem medo", tal era o desassombro com que enfrentava os seus adversários políticos, recorrendo inclusivamente a uma linguagem mais grosseira. Entretanto veio o 25 de Novembro, o PREC chegou ao fim e os radicalismos foram varridos da vida política, dando lugar à nossa actual democracia de "tipo ocidental". Apesar da utilidade de Pinheiro de Azevedo, o seu tempo havia terminou com o fim da agitação política. O Sporting neste momento vive num tempo parecido com o PREC, de constante agitação interna. Da mesma forma que Portugal se emancipou e se livrou daquele chavão gonçalvista de "ou estamos com a revolução ou estamos com a reacção", também o Sporting precisa de se emancipar, livrar-se dos croquetes e dos ultra-brunistas, encontrar um caminho mais moderado, que em igual medida respeite o que de bom foi feito nos últimos anos e afaste o que de mau aconteceu.
Estará o Sporting Clube de Portugal pronto a emancipar-se da tutela paternalista dos croquetes e do seu radicalmente oposto brunismo? E estando preparado, haverá alguém, neste momento, no universo sportinguista, que se assuma como uma terceira via e leve o seu projecto em frente? Não existindo essa terceira via, estará Bruno de Carvalho em condições de prometer um Sporting menos bélico, menos entrincheirado, como contra-partida do "respeito e ordem" que pede aos sócios sportinguistas?Será que foi coincidência o Sporting ter atingido a sua melhor fase em diversas modalidades, como há muito não se via, precisamente quando Bruno de Carvalho trabalhava remetido ao silêncio?
Se acham que o que vai estar em discussão a 17 de fevereiro são umas alterações estatutárias e disciplinares seguidas de aclamação ao lider, estão redondamente enganados. O que vai estar mesmo em discussão, nesse dia, é só uma coisa: será que o Sporting Clube de Portugal, em Fevereiro de 2018, ainda precisa de Bruno de Carvalho? Este é o nosso dilema.

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