quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Estado lampiânico: o elefante na loja de porcelana

Há algo que me perturba nestes dias.
Ontem estava confortavelmente sentado no sofá a ver o meu Sporting jogar, mas sentia que algo não estava bem. É um pouco como a história daquela princesa, que mesmo deitada na mais confortavel cama do seu reino, conseguia sentir a ervilha que a rainha lhe havia posto debaixo do colchão. E não era o facto do Alan Ruiz se arrastar em campo ou do Vilaverdense ter arriscado uma ou outra corrida desenfreada até à nossa área. Era algo mais profundo, vindo do âmago, que nem a goleada da segunda parte afastou.
Comecei depois a ver o jogo seguinte, entre benfica e Rio Ave, e tive então uma epifania. Comecei por ver algo que se vem arrastando nesses últimos meses - e não, não era o Alan Ruiz. É o desfilar de uma equipa, onde entre os seus titulares cabem jogadores tão medíocres como Jardel ou André Almeida, onde já couberam Eliseu e Samaris. Jogadores banais como Pizzi e Fejsa são estrelas. E cuja verdadeira estrela é um ponta de lança que tem tanto de instinto goleador como de artista de teatro. É uma equipa que é a tetracampeã do país campeão europeu, que perde inapelavelmente contra um Basileia ou um CSKA. Que goleia um Setúbal, um Estoril ou um Belenenses, mas que depois não consegue ganhar a um Rio Ave bem organizado e escapa com mão amiga a uma copiosa derrota em casa de um dos líderes do campeonato. É a equipa que todos dizem que está mais fraca do que no ano passado (dizem sempre isso), mas que mesmo assim continua quase colada ao duo da frente.
O que aconteceu ontem, diferente do que aconteceu noutras situações, foi que o adversário é uma das equipas que melhor futebol joga neste campeonato. Uma equipa contra a qual nós ganhamos sem saber muito bem como. E que mesmo perante mais uma tentativa de farsa da verdade desportiva, soube ter arcaboiço para reverter a situação em seu favor. Ontem, como de resto tem vindo a acontecer desde o inicio da época, todos os lances duvidosos foram decididos para o mesmo lado. A equipa que é enxolhavada nas competições europeias tem-se aguentado firme na luta pelo título à custa de um chorrilho de arbitragens maldosas e tendenciosas, que mais não fazem do que manter acordada uma equipa cadavérica. E de um conjunto de clubes amigos, que trocam goleadas por um ou outro jogador emprestado e mais umas "ajudinhas" em direitos televisivos e outros negócios mais obscuros.
E não, não foi a constatação de tudo o que disse atrás que produziu em mim a epifania. Afinal, isso já não era grande novidade. A epifania aconteceu ao ver que ninguém questiona o que se passou ontem. Como não questionou como foi possível o clube tetracampeão de Portugal e cabeça de série da Liga dos Campeões, acabar o seu grupo sem pontos. Que ninguém pergunte como é que este conjunto de jogadores banais, orientados por um treinador banal com o carisma de uma alface, seja hoje tetracampeão de Portugal? Como é possível que, na semana onde ficámos a saber que o Estado Lampiânico se dava ao trabalho de saber coisas tão diferenciadas como o pin do alarme de casa do presidente da FPF, o nome dos operadores de câmara dos vários jogos da I Liga, ou até a morada da casa dos sogros de Bruno de Carvalho, ninguém questione qual a utilidade que esta informação serve. 
Neste momento o futebol português é uma enorme loja de porcelanas. Temos na montra um enorme jarro Ming, chamado Cristiano Ronaldo. Lá dentro da loja, várias peças de porcelana fina, como a equipa campeã da Europa em 2016 ou alguns dos melhores treinadores do mundo, estão expostas junto de outras peças mais reles, que o vendedor impinge como sendo de qualidade. Escondidos atrás do balcão estão algumas sapatonas, que ninguém ouviu falar nem ouvirá falar, mas que um empresário de renome vem buscar para os vender aos seus amigos como se de uma "Vista Alegre" se tratasse. E bem no meio da loja, à vista de toda a gente, está um grande elefante chamado "Estado Lampiânico". É um pouco como o urso à porta das lojas "Natura". Toda a gente os vê e mexe neles, mas ninguém se questiona porque é que estão ali. O Estado Lampiânico é igual. Está ali à vista de todos, agora que foi destapado pela avalanche de e-mails reveladores. Mas ninguém pergunta, "que raio faz isto aqui"? Ninguém questiona porque é que o benfica quereria saber que o Fábio Barros era o operador de imagem do Tondela-Sporting? Ninguém questiona quem é o João Santos que serve os interesses do benfica, junto das selecções jovens (e já agora, quem é o Edgar)? Mas não haverá ninguém com tomates que entre dentro da loja e mande um berro a plenos pulmões, "foda-se, mas que merda é esta?".
Este é o estado actual do futebol português. No próximo fim de semana seguir-se-à nova farsa, desta feita para os lados de Tondela. A nós resta-nos "jogar à bola" e andar na rua de coluna direita e peito inchado, pois cada vitória do nosso clube é fruto de cada gota de suor que escorre da cara daqueles 11 desgraçados que nos tentam proporcionar alegrias. E não de missas encomendadas ou de conselhos matrimoniais de véspera.

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