Quem nasceu no final
dos anos setenta, início de oitenta, terá certamente assistido à ascensão do
porto de terceiro grande a detentor da hegemonia do futebol português, entre
1994-2013. No espaço de 19 anos, o clube da fruta ganhou o campeonato por 14
vezes, a que juntou uma liga dos campeões, uma taça UEFA e uma Liga Europa.
A forma como os
portistas atingiram o patamar mais alto do nosso futebol recente deveu-se a um conjunto
de circunstâncias que foram resumidas na palavra “sistema”. O “sistema”
consistia, grosso modo, em dois tipos de controlo: directo, através do domínio
de sectores-chave do dirigismo futebolístico, como o conselho de arbitragem e
de disciplina. Indirecto, através do poder económico, plasmado no aparecimento
e ascensão meteórica da OLIVEDESPORTOS, que monopolizou a gestão dos direitos
televisivos de todos os clubes profissionais de futebol, do qual dependiam para
gerir os seus orçamentos deficitários. A eficácia do sistema ficou demonstrada
ao longo dos vários anos em que funcionou: arbitragens parciais e tendenciosas
em jogos-chave do campeonato, nomeadamente no início da época, quando as
equipas ainda não estão a jogar a 100%, e nos jogos grandes, ainda sem a
cobertura mediática dos dias de hoje. Jogos absurdamente fáceis contra a
maioria dos clubes ditos “pequenos” do nosso campeonato, cujo maior exemplo era
o Salgueiros, equipa que fazia a vida negra a benfica e Sporting mas acabava
sistematicamente goleada pelo porto. Com a competição caseira completamente
controlada, os portistas podiam-se virar para as provas europeias, bem
folgados, o que em parte explicava o seu sucesso na Europa, com o respectivo
retorno financeiro.
O apito dourado pôs a
nu as engrenagens do sistema portista, devidamente esmiuçadas pela comunicação
social, criando um vazio no poder. Mas em vez de assistirmos à moralização do
futebol português, o que vimos foi o assalto lampião ao poder, completamente branqueado
pela comunicação social, transformada em máquina de propaganda encarnada.
O déjà vu que hoje passa diante dos meus olhos é este: uma equipa que
continua a ser beneficiada em momentos chave da época, graças ao domínio que
hoje tem nas instituições, como o conselho de arbitragem. Uma equipa que
passeia nos jogos contra as equipas “pequenas”, obtendo vitórias fáceis onde
outros têm de correr 90 minutos para segurar uma vitória pela margem mínima. O
facto de alguns destes clubes “pequenos” terem assinado o seu acordo de venda
dos direitos televisivos no gabinete do presidente do benfica, não será mera
coincidência. A boa campanha europeia benfiquista nesta época, em parte devida
à sorte de não ter defrontado equipas fortes, também se deve à folga obtida nas
competições internas, ajudando a reconstruir o mito portista de “se somos
beneficiados cá dentro, como é que estamos entre os melhores lá fora?”
Ao controlo das
instituições futebolísticas e do poder económico sobre os clubes pequenos, este
novo sistema benfiquista – inspiradamente baptizado como “estado lampiânico” –
juntou um outro, que o portista nunca conseguiu dominar: o da manipulação da
opinião pública, manifestado pela forma sincronizada como os seus painéis de
comentadores cantam o coro do são gabriel ou, mais maquiavelicamente, como os
jornaleiros “isentos” defendem o benfica e atacam os seus rivais directos, em
especial o Sporting. Juntem a isto os porcos giles que proliferam nas redes
sociais, a coberto da falsa capa de “adepto isolado”, e temos o anel de ferro
encerrado em torno do futebol português.
O sucesso portista
entre 1994 e 2012 também se deveu à falta de combatividade, cobardia e
mesquinhez que grassava dentro das direcções dos seus rivais. Assim se explica
como o mais pequeno dos grandes clubes portugueses teve sucesso durante tanto
tempo seguido. O sucesso benfiquista dependerá igualmente da forma como os seus
rivais reagirão à sua ascensão. Do lado do porto, a tendência parece ser de
declínio, entre um presidente já em decadência, rodeado de uma clique belicosa
e sedenta de poder, mas com um défice orçamental galopante, lembrando o benfica
dos anos 90. E do nosso lado como será? Esta é a questão que temos de colocar a
todos nós, enquanto adeptos e sócios sportinguistas. Se queremos voltar a ver
um filme que já vimos. Ou não.
(*) - Texto publicado na Tasca do Cherba, a 18-03-2016
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